#02: I no longer have a dick

technogender
3 min readAug 2, 2021

Cinco meses de TH. Enquanto escrevo isso, lembro de uma época, três ou quatro anos atrás, em que a minha obsessão pelo corpo do filósofo nômade e extraterrestre Paul B. Preciado estava em seu maior nível: após entrar em contato com seu bastante pretensioso e esplêndido Manifesto Contrassexual, nenhuma outra coisa foi capaz de prender a minha atenção. Só consigo descrever o que senti com aquelas palavras me utilizando da mesma alegoria que sua amada, Virginie Despentes, nos ofereceu: Preciado escreve como Jimi Hendrix toca a guitarra, ou como uma dançarina extraordinária performa num palco. Extremamente técnico, com o maior dos rigores teóricos, mas igualmente apaixonante e cheio de humor e política. Produção radical que se situa entre a arte e a filosofia, à medida em que questiona ambas as formas.

Não satisfeita em apenas devorar seus livros, eu me encontrava navegando por toda a open web atrás de vestígios, buscando outras pessoas apaixonadas por sua obra, e todo o meu tempo livre era investido nessa pesquisa. Na verdade, até quando estava executando tarefas cotidianas e motoras como lavar as louças, eu as fazia ao mesmo tempo em que ouvia conferências no Youtube com fones de ouvido. Preciado era meu pai, meu melhor amigo, meu amante. Queria saber tudo sobre ele e o mundo impossível, mas o único desejável, que me apresentou.

A noção de Contrassexualidade, verdadeira contratecnologia de produção da consciência, me ensinou que eu podia fazer tudo com meu corpo. Que embora existo numa temporalidade onde tudo é fixo, e nada é mais natural e imperdoável que a produção heterocentrada da vida e dos órgãos, também já pertenço ao futuro onde tudo pode um corpo, ou a própria noção de corpo já não faz nenhum sentido e não obedece à Lógica e ao Humano. Essa dupla temporalidade na qual vivemos é também a Metafísica do Dildo. Natureza = Tecnologia. Pênis = Plástico. O que determina se algo é real ou artificial é simplesmente Poder. O que agora é Verdade, começou como Mentira. E o que é uma Mentira, pode se tornar uma Verdade.

Tenho analisado o fato de que no momento praticamente não tenho ereções ou me masturbo. Este órgão ao qual foi atribuído o meu desejo, o meu sexo, perdeu suas funções sexopoliticamente determinadas de penetração e ejaculação. Em parceria com estradiol —my very own sexóloga, a quem eu faço perguntas sobre como gerir minha sexualidade e peço todos os detalhes — , embaralhei as partes de meu corpo e editei meu sexo como uma criança nos anos 2000 recorta e cola imagens no Microsoft Paint. Ferramentas limitadas, mas imaginação sem freio.

Recentemente, sonhei que estava sem camiseta diante de uma multidão e desesperadamente, muito envergonhada, cobria os seios. Meus peitos se transformaram num contrapênis. O órgão antes “genital”, que assumia essa posição de centralidade no meu próprio desejo, agora só existe ali, por enquanto sem nome, para produzir quantidades inéditas de pré-gozo, sem que eu precise tocá-lo, toda vez que fico excitada. Essa constante e quase absurda secreção de líquidos seminais, antes desconhecida para mim, representa o hibridismo de meu corpo. Estou quase gozando, como se por memória muscular do treinamento heterossexual ao qual o órgão foi submetido, mas também estou molhada como acontece quando se tem uma vulva.

Hoje, tive a absoluta certeza de que as estrias que estouraram minhas ancas são o anúncio de um novo órgão sexual: uma bunda. A bunda que atua em termos hegemônicos (farmacopornográficos) como a bunda de uma mulher, e não qualquer bunda. O rabo-feminino, aquilo que faz as pessoas virarem as cabeças para observar na rua. Meu pobre traseiro lésbico, sempre tão ignorado e minúsculo para mim, agora aos meus olhos parece uma plataforma robusta de uma gostosa em formação. Quais surpresas me aguardam amanhã? Por ora, compartilho fotos de maiô num círculo íntimo de amizades transfemininas e exijo que atuem como minhas contra-tecno-sexólogas e que se engajem na prática de asschecking. Elas me garantem que não estou delirando. I no longer have a dick, but check out my ass.

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