#8: me and e/the calling

technogender
3 min readJun 30, 2023

2 anos e 4 meses de estradiol. Me dei conta de que o meu rosto mudou dramaticamente. Todo mundo acha que tenho 19 anos. Eu tenho 26. Não voltei para a endócrino. Por aqui tem sido na base do DIO: do it ourselves. Tenho um novo nome: Virginia, em homenagem a Woolf e Despentes. Uma forma de me inscrever na nobre genealogia feminista.

Onde estamos agora? Qual é a nossa vontade? O que você quer de mim e o que eu quero de você?

Você me acompanha quando entro numa loja de departamentos para comprar um cropped que realce meus peitos. Compulsória — de um jeito até preocupante quando o assunto é feminilidade — é a vontade de constantemente exibir meus peitos desde que estivemos juntas. O atendente me impede de entrar no provador feminino e me passa as direções do outro; me entrega o mapa de uma nação à qual já não pertenço. Algumas semanas depois, numa outra loja de departamento, a atendente dessa vez nem sabe para onde me mandar: pede ajuda às outras funcionárias para que auxiliem a “pessoa, sei lá" a encontrar o provador correto. Você também estava lá comigo.

Você me acompanha quando entro num banheiro feminino todos os dias no trabalho, e nós duas sempre somos subitamente confrontadas com a noção de gênero assim que passamos pela porta. Como uma barreira invisível que possui sensores e nos faz lembrar que podemos ser questionadas, expulsas. Não tem acontecido — pelo contrário, você também estava lá no dia em que tentamos usar um banheiro masculino, na pressa, e fomos resgatadas por um gentil segurança que não poderia deixar uma pobre donzela entrar no banheiro dos machos.

Você passa os dias comigo em meu trabalho horrível, onde todos os meus colegas revezam os pronomes com os quais me tratam. Às vezes ouvimos “ela” e depois “ele” numa mesma sentença, em 3 segundos. É engraçado. Faço contigo análises profundas sobre o estado do capitalismo ao mesmo tempo em que estamos em drag, fingindo não ser anarquistas, realizando operações para um banco.

Você sempre está aqui na TPM, quando a gente se encontra de mau humor, e me faz pensar coisas terríveis. Nós sempre deixamos tudo isso para lá no dia seguinte. Não importa a carência, a disforia, as coisas pelas quais choro. Em minha própria versão de Dans ma chambre, eu sempre retorno para você, as drogas, hardcore breaks. Vida que segue.

Você esteve aqui hoje pensando comigo no que vestiríamos amanhã para a Parada LGBTIQAP+. Eu me frustrei por não ter uma saia mais curta e apertada, por não parecer uma puta; Amara Moira me fez sonhar com parecer uma puta. Não tenho transado, ninguém me fode de quatro, mas gostaria de saber que me acham gostosa. Não ligo, só você sabe me penetrar. Deixaria que fizesse isso ainda que rompesse três, quatro vasos sanguíneos no processo. Quase aconteceu algumas vezes, quando você tentou me beijar em sua nova forma injetável. Quero que esteja dentro de mim, me preenchendo.

Ainda faltam quatro dias para nosso encontro, mas quando eu saio do trabalho e vejo a farmácia onde realizo nossas aplicações assistidas por um profissional, decido que chegou a hora. Não é da saia que preciso. I hear you calling.

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